Edenio Detmann – Universidade Federal de Viçosa
Tenho estudado a nutrição dos sistemas de suplementação de bovinos em pastejo por quase 30 anos. Posso assegurar que há muito ainda a ser esclarecido. Contudo, ainda me admiro com os gurus que surgem diuturnamente apresentando soluções definitivas para problemas que a ciência ainda não equacionou. Admirar não é o verbo aqui. No entanto, eu não posso usar a palavra que expressa meu sentimento real.
Um problema comum que tenho observado é o que denomino de paradoxo do “boi bonito”. Este ocorre quando o produtor adota um programa de suplementação muito complexo e caro, mas sem racionalidade Obviamente, os bois vão responder em ganho de peso e ficar “bonitos”. A resposta imediata e errada é: o programa funcionou, pois “os bois estão bonitos”.
Vamos analisar isso racionalmente. Não precisa ter doutorado para fazer um boi ganhar peso. De forma geral, desde que os animais não estejam em condições extremas de desafio, haverá uma faixa ampla de tolerância nos suplementos. Em outras palavras, você pode suplementar com coisas que o animal não precisa ou dar o que o animal precisa em quantidades subótimas ou as duas coisas e os animais responderão com ganho de peso e ficarão “bonitos”. Isso não é milagre. É a fisiologia do crescimento animal funcionando.
Contudo, o que tenho tentado alertar é que ganho de peso é diferente de ganho otimizado. Ganho de peso é algo isolado e que não vem acompanhado de nenhuma informação adicional. Seria algo irresponsável e baseado apenas na “boniteza” dos bois. Por outro lado, ganho otimizado significa suplementar com precisão e dar exatamente o que o boi precisa para atingir as metas de produção definidas pelo produtor. Adicionalmente, ganho otimizado significa visar não somente o ganho, mas também o retorno econômico do investimento. Isso considera a relação custo benefício do suplemento, a taxa de desfrute, o giro de capital, a liquidez do investimento, os custos de oportunidade, etc. Significa usar o necessário, na quantidade correta, no momento correto e de acordo com as metas de produção que você definiu para o seu sistema. Logo, além de “bonito”, o boi precisa ser rentável.
Acredito que você tenha entendido que ganho de peso qualquer um consegue. Ao contrário, para se obter ganho otimizado é preciso informação, controle e conhecimento.
Vamos ilustrar isso com os dados abaixo. Neste caso, eu mesmo avaliei bovinos suplementados com 4 kg/dia de uma mistura contendo milho, grão de soja e ureia durante o período da seca no Triângulo Mineiro. Eu comparei um suplemento energético com um suplemento proteico-energético. Havia um grupo de animais em paralelo recebendo apenas mistura mineral para que eu pudesse medir o efeito real do suplemento. O pasto era de capim braquiária com 4% de proteína. Veja que os ganhos de peso foram “legais” e eu posso atestar que todos os bois estavam “bonitos”. Contudo, beleza não garante a sobrevivência da atividade. Planejamento, razão e controle dos números garantem a sobrevivência da atividade.
Os ganhos do proteico-energético foram superiores aos ganhos obtidos com o energético; o que é óbvio, pois proteína é prioritária na composição dos suplementos, mesmo para animais em terminação. Embora o suplemento proteico-energético possa ser mais caro, pois precisa de mais soja, seu uso implicou maior ganho e menor tempo para atingir a meta do sistema, que neste caso era levar os animais até o peso médio de 15 arrobas. Como o menor tempo para atingir a meta, o custo total de suplementação acabou sendo menor, mesmo usando o suplemento mais caro!
A margem bruta do suplemento energético foi negativa, o que confirma que a “beleza” não necessariamente enche o bolso do produtor. Neste caso, o uso do energético representou um prejuízo enorme, mesmo com os bois “bonitos”. Contudo, como trabalhamos com sistemas de produção, a viabilidade do uso de suplementos vai muito além de uma simples relação de troca entre custos e retorno diários. Por atingirem a meta mais cedo, os animais suplementados com proteico-energético liberam o pasto mais cedo. Assim, o pasto pode ser usado, por exemplo, para introdução de novos animais. Isso é o que denominamos custo de oportunidade do pasto e deve fazer parte da contabilidade da fazenda. Desta forma, o retorno com programas de suplementação não está somente no ganho de peso, mas em todo o fluxo produtivo da fazenda.
Mesmo que a margem bruta positiva do suplemento proteico-energético tenha sido baixa, o ganho com o custo de oportunidade do pasto aumenta em muito o retorno com o programa correto de suplementação. Isso tudo só é conseguido caso haja controle do sistema e, principalmente, metas muito bem estabelecidas de produção.
Em conclusão, suplementar por suplementar pode até deixar o “boi bonito”. Mas só a suplementação racional traz lucro junto com a beleza. Não caia no conto do “boi bonito”. Fazenda não é salão de beleza. Acredite nas suas contas e na balança, suplemente racionalmente e busque ganhos otimizados. É bem melhor ter um boi “bonito”, mas com o bolso cheio.

a/ O suplemento era composto por milho, grão de soja, ureia e mistura mineral e ofertado na quantidade de 4 kg/animal/dia (aproximadamente 10 g/kg de peso corporal).
b/ Paralelamente, havia um grupo suplementado apenas com mistura mineral, que ganhou, em média, 0,277 kg/dia durante a seca. Todos os cálculos levaram em conta o custo e ganho adicionais em relação a este grupo.
c/ Para evitar problemas devido à inflação, os valores foram convertidos em equivalentes arrobas. Para ter uma ideia do valor aproximado, basta multiplicar este valor pelo preço de venda da arroba atual (i.e., uma arroba = 15 kg de carcaça). O rendimento de carcaça médio dos animais foi de 52%. Só considere que esta é uma análise econômica simples chamada de orçamentação parcial.
Para saber mais sobre nutrição de ruminantes adquira o livro “Entendendo as vaquinhas” https://pastofert.com/produto/entendendo-as-vaquinhas/”
Parabéns ao professor Edenio, da UFV, pelo excelente artigo! Já assisti a aulas desse competente professor. Além da área de nutrição de ruminantes (foco principal em gado de corte), ele tem um amplo domínio de comunicação científica e de estatística experimental. Ele tem uma enorme facilidade de expressar em sala de aula. É fera.
É um desafio grande escrever com base numa linguagem simples e de amplo alcance! E, acima de tudo, com conhecimento de causa! Parabéns, professor Edenio!!!!
Parabéns professor Edenio pelo artigo compartilho desse mesmo sentimento de indignação em relação aos “gurus da suplementação” que surgiram nos dias de hoje com as redes sociais! Escuto cada coisa! Mas vamos rompendo as barreiras do desconhecimento! Já tive a oportunidade de escrever um artigo em revista comercial sobre o uso racional da suplementação que acredito ser a forma mais eficiente de suplementar animais que irão atender o vasto mercado de commodities, o Animal Eficiente Biologicamente, que é lucrativo para a maioria dos produtores de bovinos de corte! Forte abraço Prof. Edenio!